A Felicidade.

O BEM MAIOR.

 
Não existe maior bem do que fazer a
felicidade de alguém.
 
Nem nada menos caro, nem mais fácil,
pois que a felicidade é algo que se pode
oferecer em gestos e atenções.
 
Se olhamos à nossa volta, percebemos
que a carência humana está no fato das
pessoas terem perdido os valores imateriais
a favor dos materiais.
 
Compra-se quase tudo em nossos dias... mas
o bem ninguém compra.
Compra-se até companhia, mas não a
sinceridade.
 
Compra-se conforto, mas não a paz de
espírito, não a tranquilidade, menos ainda
a felicidade.
ESTA A GENTE OFERECE.
 
Há uma grande diferença entre o dar e o
oferecer.
 
Quando damos, estendemos a mão, mas
quando oferecemos ... é nosso coração que
entregamos junto, é um pedacinho de nós
que vai caminhando na direção do outro e
o bem que ele provoca retorna ao nosso
interior.
 
Tornamos pessoas felizes quando damos
de nós mesmos.
E damos de nós mesmos quando oferecemos
o que QUER que seja de coração escancarado.
 
O grande mal do mundo consiste no fato das
pessoas guardarem coisas para si.
 
Guardam bens, guardam sentimentos, guardam
declarações, ressentimentos, falam ou calam na
hora errada.
 
Vivem de aparências com as gavetas da alma
repletas de coisas inúteis.
 
E quando morrem, tornam-se pó, como todo
mundo, sem ter aproveitado o tempo para
compartilhar, com honestidade, o bem que a
vida lhes oferece.
 
A maior herança que podemos deixar à humanidade
é o amor que oferecemos de várias formas, são as
pequenas felicidades do dia-a-dia que vamos
distribuindo aqui e acolá, a compreensão que acalma
as almas inquietas e a ternura que abranda os
desenganos da vida.
 
E o que representa a felicidade hoje pode não
representar amanhã.
 
Por isso ela é tão múltipla, tão incompreendida
e tão necessária.
 
Por isso é tão importante distribuir sorrisos,
plantar flores...
... fazer visitas, dar bom dia e boa noite, não
esquecer dos abraços, dos e-mails e dos te
amo imprescindíveis ao coração.
 
 
(desconheço autoria).
 
Obs: caso alguém souber quem é o autor(a),
desse texto avise-me para que possa dar os
devidos créditos.
 
O BEM E A FELICIDADE

Ramiro Marques

A maior parte das pessoas identificam o bem com a felicidade, mas têm opiniões diferentes sobre o que é a felicidade. Será que viver bem e fazer o bem é a mesma coisa que a felicidade? Será a felicidade a mesma coisa que a honra, a riqueza ou o prazer? Ou nenhuma delas, por si só, preenche os requisitos da felicidade? Será que, para além desses bens, há um bem, que é bom por ele próprio, e que faz com que todos aqueles bens sejam, de facto, bens?

Há três concepções vulgares acerca da vida boa: a vida dedicada aos prazeres, a vida dedicada à actividade que dá honra e a vida dedicada ao estudo. Qual delas é a melhor?

Vamos começar a nossa análise pela vida dedicada aos prazeres. Aqueles que renunciam a tudo aquilo que não lhes proporciona gratificação imediata, tendem a pensar que a felicidade e a vida boa estão relacionadas apenas com o máximo de prazeres possível. A acreditarmos nesta posição, teríamos de concordar que se é tanto mais feliz quanto mais perto se estiver da vida animal.

A vida dedicada à actividade que dá honra é típica dos políticos e dos guerreiros. Serão eles mais felizes do que todos os outros? Um exame à vida de importantes personagens que se dedicaram a estas actividades leva-nos a concluir que nem sempre a procura da honra se reveste de virtude e há imensos casos de políticos e guerreiros que foram vítimas da má fortuna e depararam com grandes desgraças e desastres.

Resta-nos a vida dedicada ao estudo. Ao contrário da vida dedicada a ganhar dinheiro ou da vida dedicada a acumular honra, a vida dedicada ao estudo é a única que não se subordina a nenhuma outra finalidade. É, portanto, a mais auto-suficiente e completa de todas. Nesse sentido, é a que se aproxima mais da felicidade. No

entanto, esse tipo de vida não garante, por si só, a felicidade. Deverá vir acompanhada de alguns bens exteriores e da sorte, pois não se pode ser feliz na miséria ou quando se é vítima de grandes desastres.

A visão que Aristóteles tem do bem leva-o a identificar as seguintes características presentes no bem: o bem é completo; o melhor bem é aquele que é valioso em si mesmo; o melhor bem é auto-suficiente. A felicidade possui todas essas características e, por isso, pode ser considerada o maior bem: "a felicidade, mais do que qualquer outra coisa, parece incondicionalmente completa, visto que nós a escolhemos sempre e a escolhemos por ela própria, e nunca por outra coisa qualquer. A honra, o prazer, a compreensão e qualquer outra virtude, também são escolhidas por nós, mesmo que não permitam qualquer outro resultado, mas nós também as escolhemos em benefício da felicidade, supondo que, através delas, seremos felizes. Já a felicidade, ninguém a escolhe em benefício das virtudes ou de qualquer outra coisa" (1).

Na Magna Moralia, Aristóteles faz a crítica da tese socrática e platónica do bem como ideia de bem, optando, ao invés, por considerar apenas o bem para nós. A recusa da tese de que basta conhecer o bem para fazer o bem, tão cara a Sócrates, é objecto de crítica do estagirita no primeiro capítulo do livro I da Magna Moralia: "Sócrates cometeu, pois, um erro, quando olhava para as virtudes como saberes...Se fossem saberes, teríamos de admitir que, ao mesmo tempo que se conhece o que é o tal saber, também se teria de ser sábio (se, com efeito, uma pessoa sabe medicina, essa pessoa será considerada um médico, e a mesma coisa para os outros saberes). Mas, para as virtudes não se passa isso: não basta saber o que é a justiça para se ser justo, e o mesmo acontece com as outras virtudes" (2).

Aristóteles divide os bens em três tipos: bens do corpo, como a força e a beleza, bens externos, como a riqueza e o poder, e bens da alma, como as virtudes. Os últimos são superiores a todos os outros.

Na Magna Moralia, o filósofo estabelece a divisão dos bens da alma em três tipos: a prudência, a virtude e o prazer.

As características da felicidade diferem de pessoa para pessoa. Para algumas, é a virtude; para outras, a inteligência; para outras, ainda, a sabedoria; e há, por fim, os que consideram os prazeres. Sem dúvida que Aristóteles se identifica com os que consideram a virtude a principal característica da felicidade, chegando ao ponto de afirmar que não se pode ser feliz sem se ser virtuoso.

Claro está que o prazer não pode ser desprezado como uma característica da vida feliz, tanto mais que a virtude é, ela própria, prazer e as acções virtuosas são agradáveis, em si mesmas.

Os bens exteriores também têm a sua conta na vida feliz, pois não é fácil fazer boas acções se faltarem os recursos mínimos. Por isso, parece adequado definir a pessoa feliz como a que expressa a virtude completa nas suas actividades, com uma adequada oferta de bens exteriores, não só durante um certo tempo, mas durante toda a vida.

Na Magna Moralia, o filósofo dedica os capítulos II e III, do Livro I à classificação dos bens, revelando, assim, a importância que os bens possuem na ética aristotélica. Na primeira classificação dos bens, o estagirita considera os bens preciosos, os bens louváveis e os bens que são faculdades. Os bens preciosos são os divinos. As virtudes fazem parte dos bens louváveis e a riqueza, o poder, a força e a beleza são faculdades. O que distingue as faculdades das virtudes é que o homem tanto pode usar as faculdades para o bem como para o mal. O homem vil usa-as, sem dúvida, para o mal.

Na segunda classificação de bens, Aristóteles considera os bens que são preferíveis, sempre e de todas as maneiras e os outros. Por exemplo, enquanto a justiça é um bem preferível sempre e de todas as maneiras, a riqueza ou a força não o são.

Na terceira classificação de bens, distingue os bens que são fins dos que não são fins. Por exemplo, a saúde é um bem que é um fim.

A riqueza é um bem, mas não é um fim. Os bens que são fins são superiores a todos os outros. Mas, mesmo entre os bens que são fins, temos de considerar os que são perfeitos e os que são imperfeitos. Um bem perfeito é o que se basta a si próprio, não nos deixando qualquer outra necessidade. Os bens imperfeitos deixam-nos com necessidade de outros bens. Por exemplo, a justiça é um bem imperfeito, porque não se basta a ela própria. Ninguém é feliz só com a justiça. Mas, a felicidade é um bem perfeito, porque quem é feliz não precisa de mais nada (3).

Como é que se adquire a felicidade? É adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou pela sorte? A resposta de Aristóteles é clara: a felicidade adquire-se pela virtude, ou seja, pelas nossas acções, embora a sorte também possa contribuir. Assim sendo, e até certo ponto, depende de nós, sermos felizes.

E será a felicidade acessível a todos? Aristóteles responde que a própria natureza da felicidade exige que esta seja um bem acessível a todos, embora alguns, pelo facto de serem incapazes de levar uma vida virtuosa, sejam incapazes de ser felizes. Neste aspecto, Aristóteles afasta-se radicalmente da posição dos sofistas, embora não coincida, na totalidade, com a concepção de Platão.

Para os sofistas, a instrução permitia a qualquer um levar uma vida feliz. Para Platão, o conhecimento do bem andava associado à prática do bem e, portanto, aquele que conhece o bem pode ser feliz. Aristóteles, sem negar a importância da educação e do conhecimento, adopta uma posição intermédia e mais realista: o que dá o valor intelectual é a educação e os bons hábitos que ela nos faculta, mas a educação apenas pode aperfeiçoar as nossas boas disposições naturais.

Por outro lado, para ser feliz é necessário ter assegurado um nível decente de bens materiais que proporcionem tempo livre para o estudo e para as amizades, pelo que, quer os escravos, quer aqueles que dedicam todo o seu tempo a um trabalho que não dá prazer, são

incapazes de ser felizes. Importa, ainda, notar que a sorte ou a má sorte podem, também, influenciar o acesso ou o impedimento à felicidade.

É certo que a maior parte dos homens nasce com uma predisposição natural para a virtude, mas essas predisposições só se tornarão verdadeiras e reais quando a educação as penetrar de razão e os hábitos as encarnarem na conduta e nos comportamentos. Mas, sem essas predisposições naturais para a virtude, a educação é impotente. Por outro lado, pode acontecer que as predisposições naturais favoráveis e a educação não sejam suficientes, caso uma sucessão repetida e prolongada de maus hábitos impeça qualquer esforço de correcção.

O filósofo católico Jean Guitton dá a seguinte definição de felicidade: "a felicidade é o reflexo imóvel da nossa vida interior, esta corrente que corre sem ruído no fundo do espírito, neste fundo íntimo de nós mesmos onde nós não descemos; onde se forma e amadurece o pensamento que revela em nós os atributos divinos. A felicidade é mais do que o prazer, do que a paz, mais do que a superabundância; um contentamento de ser que se basta a si. Um mundo de silêncio onde cada coisa está no seu lugar e desfruta a vida" (4).

O SONETO SAUDOSO

Depois da palavra "amor", é "saudade" o mais recorrente motivo na poesia lusófona, não só pela inevitável associação dos dois termos como, especialmente, pelo decantado fato de "saudade" não ter exato equivalente em outros idiomas e ser considerado o mais exclusivamente português dos vocábulos. No Brasil o repertório sonetístico cobriu praticamente todas as implicações do termo, sendo a seleta abaixo um apanhado daqueles sonetos onde aparece explícito e tentativamente definido, a começar pelo que leva a fama de mais célebre e estudado exemplo dessa temática: o assinado por Da Costa e Silva, tido como "último simbolista". À parte a disputa pelos últimos postos (que seriam os primeiros), deixo aos leitores a conclusão, mas na minha opinião esse soneto nada tem de extraordinário e prima pela ocupação do espaço repetitivo e óbvio, ao passo que em outros autores o tema foi explorado com maior surpresa ou efeito, como em Jorge de Lima, naquela que considero a melhor concepção. Veja-se a peça de Da Costa e Silva primeiro e, em seguida, a de Jorge de Lima; depois, outros bons exemplos. [GM] SAUDADE [Da Costa e Silva] Saudade! Olhar de minha mãe rezando, E o pranto lento deslizando em fio... Saudade! Amor da minha terra... O rio Cantigas de águas claras soluçando. Noites de junho... o caboré com frio, Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando... E, ao vento, as folhas lívidas cantando A saudade imortal de um sol de estio. Saudade! Asa de dor do Pensamento! Gemidos vãos de canaviais ao vento... As mortalhas da névoa sobre a serra... Saudade! O Parnaíba — velho monge As barbas brancas alongando... E, ao longe, O mugido dos bois da minha terra... VELHO TEMA, A SAUDADE [Jorge de Lima] Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente? — Chama que já passou mas que assim mesmo é chama... A Saudade, eu a sinto infinda, confidente. Que de longe me acena e me fascina e chama... Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente: Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama... ..Um segredo de amor que se desfaz e mente... Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama? Olhos postos ao léu, altívagos, à toa, Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente Te ficaste gozando uma saudade boa? Se vês que em teu passado uma saudade adeja, — Faze que uma saudade a ti seja o presente! — Faze que tua morte uma saudade seja! CRESCENTE DE AGOSTO [Alberto de Oliveira] Alteia-se no azul aos poucos o crescente, O ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta; Vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta E emborca a urna de luz nas águas da corrente. Na escumilha da teia, onde a aranha indolente Dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta. Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta, Mais brancos os jasmins e a murta redolente. Faz chorar um violão lá não sei onde... (A ouvi-lo Na calada da noite, um não-sei-quê me invade) Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo; Faz as cousas rezar, ao seu clarão tranqüilo, Faz nascer dentro em mim uma grande saudade, Faz nascer da saudade estes versos que escrevo. DUAS ALMAS [Alceu Wamosy] Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada, entra, e sob este teto encontrarás carinho: Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho. Vives sozinha sempre e nunca foste amada... A neve anda a branquear lividamente a estrada, e a minha alcova tem a tepidez de um ninho. Entra, ao menos até que as curvas do caminho se banhem no esplendor nascente da alvorada. E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua, podes partir de novo, ó nômade formosa! Já não serei tão só, nem irás tão sozinha: Há de ficar comigo uma saudade tua... Hás de levar contigo uma saudade minha... SONETO DA DEFUNTA FORMOSA [Alphonsus de Guimaraens] Temos saudade, pálida formosa, De tudo quanto o pôr-do-sol fenece: Ou seja o som final de extrema prece, Ou seja o último anseio de uma rosa... E mais ligeiramente a gente esquece Uma hora que a alma de carinhos goza, Que de ter visto, em roxa luz saudosa, Uma imperial tulipa que adoece... Um lírio doente no caulim de um vaso Faz-nos lembrar um luar em pleno ocaso Morrendo ao som das últimas trindades... E nem eu sei, amor, por que perguntas, Tu que és a mais formosa das defuntas, Se eu de ti hei de ter loucas saudades. QUARENTA ANOS [Arnaldo Nunes] Quarenta anos de esforços, quarenta anos De sofrimento, de existência incalma, De tantas decepções e desenganos Estoicamente recalcados na alma! Oito lustros de prélios sem a calma Que vem sempre depois dos grandes danos; Oito lustros de sonhos, tendo a palma Triste dos pesadelos cotidianos! E sobre esta velhice prematura, Sobre a melancolia e sobre o tédio Em que tudo se finda sem ventura, A luz do fogo-fátuo, tíbia e mansa, Desta grande saudade sem remédio, A saudade infinita da Esperança... O BANDOLIM [Augusto dos Anjos] Cantas, soluças, bandolim do Fado E de Saudade o peito meu transbordas; Choras, e eu julgo que nas tuas cordas, Choram todas as cordas do Passado! Guardas a alma talvez d'um desgraçado, Um dia morto da Ilusão as bordas, Tanto que cantas, e ilusões acordas, Tanto que gemes, bandolim do Fado. Quando alta noite, a lua é fria e calma, Teu canto vindo de profundas fráguas, É como as nênias do Coveiro d'alma! Tudo eterizas num coral de endechas... E vais aos poucos soluçando mágoas, E vais aos poucos soluçando queixas! ERA UMA VEZ... [Augusto Meyer] Quem passa? É o Rei, é o Rei que vai à caça! Mal filtra o luar a sombra do arvoredo. Joãozinho, a um restolhar, treme de medo, Maria escuta, se uma folha esvoaça... Era uma vez um rei... jogou a taça Ao mar, e o amargo mar guarda o segredo... E a princesinha que cortou o dedo? Faz muito tempo... Como a vida passa! Era uma vez a minha infância linda E o sonho, o susto, o vago encanto alado... Vem a saudade e conta-me baixinho Velhas histórias... E eu já velho ainda Sou um Pequeno Polegar cansado Que pára e hesita, em busca do caminho... LÁGRIMAS [Auta de Souza] Eu não sei o que tenho... Essa tristeza Que um sorriso de amor nem mesmo aclara, Parece vir de alguma fonte amara Ou de um rio de dor na correnteza. Minh'alma triste na agonia presa, Não compreende esta ventura clara, Essa harmonia maviosa e rara Que ouve cantar além, pela devesa. Eu não sei o que tenho... Esse martírio, Essa saudade roxa como um lírio, Pranto sem fim que dos meus olhos corre, Ai, deve ser o trágico tormento, O estertor prolongado, lento, lento, Do último adeus de um coração que morre... ESPLENDOR EFÊMERO [Bastos Portela] És moça e bela. Assim, hoje pões e dispões; E, feliz, num requinte fátuo de vaidade, Vais pela vida, altiva, a esmagar corações... Nada encontras no amor que te amargure ou enfade! Mas, quando, um dia, enfim, atingires a idade Em que se perdem, para sempre, as ilusões, Tu me dirás, então, o que é sentir saudade E o que é chorar no horror de longas solidões... A beleza desfeita, humilde, decadente, Serás a flor que, num jardim, murcha e descora, Ao crepúsculo azul da tarde, mansamente... E vendo-te passar, como os fantasmas, eu... Eu sofrerei, talvez, como quem lembra ou chora Uma bela mulher que se amou, e morreu! SAUDADE [Bastos Tigre] Infeliz de quem vive sem saudade, Do agridoce pungir alheio às penas, Sem lembranças de amor e de amizade, Hoje vivendo o dia de hoje, apenas. Triste de ti, ancião, que te condenas A mole insipidez da ancianidade E não revives na memória as cenas De prazer e de dor da mocidade! Ter saudade é viver passadas vidas, Percorrendo paragens preferidas, Ouvindo vozes que se têm de cor. Sonha-se... E em sonho, como por encanto, A dor que nos doeu já não dói tanto, Gozo que foi é gozo inda maior. SAUDADE [Ciro Vieira da Cunha] Saudade! o teu olhar longo e macio Derramando doçura em meu olhar... Um bocado de sol sentindo frio, Uma estrela vestida de luar... Saudade! pobre beijo fugidio Que tanto quis e não cheguei a dar... A mansidão inédita de um rio Na volúpia satânica do mar... Saudade! o nosso amor... o teu afago... O meu carinho... o teu olhar tão lindo... Um pedaço de céu dentro de um lago... Saudade! um lenço branco me acenando... Uma vontade de chorar sorrindo, Uma vontade de sorrir chorando... SONETO MUDADO [Constâncio Alves] Eras em plena mocidade, quando Da nossa casa, um dia, te partiste; E eu, coitado, sem mãe, pequeno e triste, Fiquei por esta vida caminhando. Assim — no meu amor teu rosto brando Do tempo à ação maléfica resiste, E o meu é, hoje, como nunca o viste, Tanto o passar da idade o foi mudando. Tão velho estou, que já me não conheces; Nem poderias ver no que te chora Esse a quem ensinaste tantas preces. E tão moça ainda estás que (se memora A saudade o teu vulto) — me apareces Como se fosses minha filha agora. SAUDADE [Eno Teodoro Wanke] Mas que saudade, que saudade a minha, saudade imensa de sentir poesia, poesia em tudo, assim como eu sentia enquanto eu tinha o coração que eu tinha... Porque já tive um coração um dia, que disparava, ou quase se detinha se ela aos meus braços palpitante vinha, e que ternuras doidas consumia... Vivia então constantemente imerso na mágica do sonho, no universo do amor ao ser que eu pressupunha meu... Não vivo mais. Vegeto, na esperança de achá-la ainda — à ladra que, tão mansa, levou meu coração... Não devolveu... SENHORA DA SAUDADE [Euricles de Matos] Como eu Vos quero bem, Senhora da Saudade! Lírio Preto que sois porque viveis de preto, Parodiando um Martírio estranho e predileto De um torvo coração, vivendo na orfandade. E assim não me quereis, Senhora da Saudade! Vós, toda Compaixão, Vós toda meu Afeto, Nascida para estar num mundo mais secreto, A partilhar Amor, Carinhos e Bondade. E bem triste que sou e bem tristonho vivo, Cativo dessa Dama e dessa Flor cativo, Eu tão velhinho já na minha Mocidade!... E ah! Sonho meu de Amor, estranhamente santo, Ouvi o que Vos digo, estático de Espanto: — Como eu Vos quero bem, Senhora da Saudade!... SONETO DA SOLEDADE, OU DA SOIDADE [Fagundes Varela] Eu passava na vida errante e vago Como o nauta perdido em noite escura, Mas tu te ergueste peregrina e pura Como o cisne inspirado em manso lago. Beijava a onda num soluço mago Das moles plumas a brilhante alvura, E a voz ungida de eternal doçura Roçava as nuvens em divino afago. Vi-te, e nas chamas de fervor profundo A teus pés afoguei a mocidade, Esquecido de mim, de Deus, do mundo! Mas ai! cedo fugiste!... da soidade, Hoje te imploro desse amor tão fundo, Uma idéia, uma queixa, uma saudade! TAÇAS [Fausto Cardoso] Deslumbrado, cheguei, chorando, à terra, um dia! E, do lauto festim da vida, achei-me à mesa; Sempre libei, cantando, a taça da alegria, Embebedou-me sempre o vinho da tristeza. Esplêndidas visões trouxeram-me, à porfia, As ânforas do amor. E, de volúpia acesa, Minha boca, de boca em boca, um mosto hauria, Que de tédio me encheu por toda a natureza! Dá-me a velhice a taça. Eu das paixões prescindo. E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho delicioso, No vinho da saudade achando um gosto infindo! Parece-me o passado um rio luminoso, Onde vogo a rever pelas margens, florindo, A dor que, ao longe, tem as seduções do gozo! SONETO 544 ULTRAPASSADO [Glauco Mattoso] Agora há pouco... Meia horinha atrás... Parece que foi ontem... Outro dia... Outrora... Era uma vez... Que nostalgia... Saudades tenho... Quanto tempo faz... Melhor não reviver lembranças más... As boas... Mas quais? ...quase as não havia... Quem parte do pretérito a fatia que o mais doce recheio à mente traz? Perfeito... Inda melhor: mais-que-perfeito... Estive... Estava... Em trevas... Estivera... Perdi de vista... Não lembro direito... Foi só reminiscência... Uma outra era... Afoito, todo instante eu aproveito: Olhando para trás, prolongo a espera... NÓS (XXII) [Guilherme de Almeida] Tu senhora, eu senhor, ambos senhores de um pequenino mundo. No caminho, nunca vi flores em que houvesse espinho, nunca vi pedras que não fossem flores. Naquele quarto andar, longe das dores e tão perto dos céus, com que carinho, com quanto zelo edificaste o ninho do mais feliz de todos os amores! Tudo passou. Um dia, triste e mudo, deixaste-me sozinho. Hoje tens tudo: és rica, és invejada, és conhecida... E eu tenho apenas, desgraçado e louco, daquele amor que te custou tão pouco esta saudade que me custa a vida! VISITA À CASA PATERNA [Guimarães Júnior] Como a ave que volta ao ninho antigo, Depois de um longo e tenebroso inverno, Eu quis também rever o lar paterno, O meu primeiro e virginal abrigo. Entrei. Um gênio carinhoso e amigo, O fantasma, talvez, do amor materno, Tomou-me as mãos — olhou-me grave e terno, E, passo a passo, caminhou comigo. Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!) Em que, da luz noturna à claridade, Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de? — Uma ilusão gemia em cada canto, Chorava em cada canto uma saudade... AS DUAS PALMEIRAS [Jacinto de Campos] Quando passo buscando a humana lida, A alma tecida de ilusões tão várias, Junto à velha choupana carcomida Vejo duas palmeiras solitárias. Uma já morta, outra reverdecida, Num desmancho de palmas funerárias, E ao som da harpa do vento a que tem vida, Saudosa plange salmodias e árias. — Ó tu, que me olvidaste no caminho, Meu coração deixando como um ninho, Sozinho e triste, ao vento balouçando... A saudade me diz, como em segredo: Que és a palmeira que morreu bem cedo, E eu sou aquela que ficou chorando. ESSAS COISAS DA VIDA [Jorge Azevedo] Essas coisas da vida a gente nunca esquece... Um longo beijo ao luar... uma mentira linda... Num suspiro de amor... num sussurro de prece, Guardar de toda boca uma saudade infinda... E então quando se é moço e o ardor não arrefece, Goza-se a mocidade enquanto ela não finda... Da vida bem vivida o ocaso recrudesce A tristeza de não poder mentir ainda... E a minha mocidade em beijos se avigora, Encontra em toda boca uma esplendente aurora E em todo amor um sol em que febril, se aquece... E na efemeridade em que ela se resume, O consolo a lembrar... lembrar... pois ao perfume Dessas coisas da vida a gente refloresce... CISNES [Júlio Salusse] A vida, manso lago azul algumas Vezes, algumas vezes mar fremente, Tem sido para nós constantemente Um lago azul, sem ondas nem espumas. Bem cedo quando, desfazendo as brumas Matinais, rompe um sol vermelho e quente, Nós dois vogamos indolentemente, Como dois cisnes de alvacentas plumas. Um dia um cisne morrerá, por certo... Quando chegar esse momento incerto, No lago onde talvez a água se tisne, Que o cisne vivo cheio de saudade Nunca mais cante, nem sozinho nade, Nem nade nunca ao lado d'outro cisne. O SEU RETRATO [Luís Pistarini] Ela mandou-me, há dias, o retrato, — Um belo mimo em platinotipia — Que eu não canso de ver, e, dia a dia Mais se me torna bem querido e grato, Porque quando entre angústias me debato, Triste nas horas de melancolia, Basta fitá-lo, para que a alegria Banhe de luz o meu viver ingrato. Lembro-me dela, então saudosamente; E, a sorrir, nesses rápidos instantes, Eu me inflamo de amor de um modo tal, Que lhe beijo o retrato longamente, Com o mesmo ardor com que beijava dantes, Jubiloso e feliz, o original... À MANEIRA DE OLEGÁRIO MARIANO [Manuel Bandeira] Triste flor de milonga ao abandono, Betsabé, Betsabé, que mal me fazes! Ontem, a coqueluche dos rapazes, E agora? pobre pássaro sem dono. Primavera e verão foram-se. O outono Chegou. Folhas no chão... Névoas falazes... E aí vem o inverno... O fim das lindas frases... O último sonho, e após, o último sono! As cigarras calaram-se. Era tarde! E hoje que no teu sangue já não arde O fogo em que tanta alma se abrasou, Choras, sem compreenderes que a saudade É um bem maior do que a felicidade, Porque é a felicidade que ficou! CATAVENTO [Marcelo Gama] Vim sarar tédios, longe da cidade, A convite e conselho de um amigo, Neste sombrio casarão antigo Onde tudo tem ares de saudade. — "Vem para o campo que a paisagem há de Curar-te". Mas, curar-me não consigo: Ontem o riso esteve bem comigo; Hoje me sinto cheio de ansiedade. Sou assim, como as asas do moinho Que, lá distante, à beira do caminho, Por entre casas velhas aparece: Gira ao norte... ora ao sul... depressa... lento... Parece doido aquele catavento!... Mas como ele comigo se parece! MEU CÉU [Maria Eugênia Celso] És para alguns a fúlgida certeza De outra vida vivida em perfeição, Uma esperança de compensação Ao velho mal de toda a natureza. Felicidade, sem a atroz surpresa Do amanhã destruidor, eterna união, Recompensa, esplendor, paz e perdão, Luz sem ocaso em formosura acesa... Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura Do sonho de ventura em que me assombro E meu quinhão de glórias entesoura, Céu que um reflexo de saudades doura, Seria se, de novo, no meu ombro, Pousasses, filho, a cabecinha loura... SOL DAS ALMAS [Martins Fontes] À última luz que doira as tardes calmas, À última luz de amor que beija o poente, Se dá, no meu país, poeticamente, A denominação de "Sol das Almas"! Na montanha, a palmeira, de repente, Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas! Para outro mundo leva o pó das salmas A luminosidade comovente! Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda! Como um sorriso, finda a claridade, Como um soluço, a claridade finda! Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade! Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda! Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade. À ESPERA [Mendes Martins] E vem a primavera. E os prados novamente Cobriram-se de luz, de flores, de verduras; Fez-se azul todo o céu, azul e transparente Como um pálio de gaze aberto nas alturas. E eu disse assim comigo: "Às minhas desventuras Aos pesares que eu sofro, e tornam-me descrente, Vão enfim pôr um termo os beijos e as ternuras Daquela que eu espero e de quem vivo ausente." E assentei-me, esperando-a, à beira do caminho... O cair de uma folha, a música de um ninho Lembravam-me o seu passo e a sua voz, criança! E afinal veio o inverno e foi-se a primavera, E cheio de saudade e sempre à sua espera, E à força de esperar perdi toda esperança. CASA TRISTE [Narciso Araújo] Como está triste aquela casa! Nela, Meus olhos viam tanta vez, outrora, Em purpurejos, rútila, a janela Toda tocada de clarões de aurora. Ali morou Maria, doce e bela Conterrânea gentil, mimo de Flora, Que perfumava, em outro tempo, aquela Casa que eu vejo tão tristonha, agora. Como está triste aquela casa! Quando, Alheio a tudo, longamente a fito, Uma saudade, dentro em mim chorando, Recorda o feliz tempo, em que Maria, Com o rosto alegre, juvenil, bonito, Era, à janela, um sol que resplendia. HORA DE TÉDIO [Oscar D'Alva] Quando a sós na existência meditando Triste, revivo malogrados dias, Ao recordar mais dores que alegrias, O coração se sente miserando. Punge-me n'alma fundas agonias De uma vida passada o bem pregando Em toda a parte, e apenas encontrando Insolências, insultos, ironias... Os gozos são efêmeros fulgores Que minha alma lembrando hoje revive; O mais são mágoas, lutos, dissabores... Então sinto — ao pensar que não gozei — Saudade de prazeres que não tive, Esperança de bens que não terei! PULVIS [Osório Duque Estrada] Áureos castelos da primeira idade, Dourada fantasia de outras eras Cuja luz de uma estranha claridade, A alma me encheu de sóis e primaveras; Glória, amor, ilusões da mocidade Palpitando ao clarão de outras esferas; Ânsias do afeto, espinhos da saudade, Sonhos alados, fúlgidas quimeras; Ideais da velha crença sonhadora; Poemas tangidos da chorosa lira (Que mais chorara se ditosa fora); Por tanta coisa essa alma ainda suspira! Tanta coisa, que a mente enganadora Julgava ser verdade e era mentira! OLINDA [Paulino de Andrade] No alto, a paisagem verde-escura e acidentada. Em baixo, o ouro da praia e a saudade do mar... Sugere lendas... reis magos... terra encantada... Fidalgas castelãs... troveiros a cantar... É bem de vê-la sob a tragédia sagrada Do crepúsculo: é grande, heróica, singular! Eu, quando a vejo assim, tenho a alma amplificada E uma dilatação de beleza no olhar. E se, pela alterosa e lendária Palmira Longa e empolgada, a vista amplamente se estira, Lembro o Nebo sob a ânsia imortal de Moisés!... E um ninho azul coroa a epopéica Cidade... Rumina o coqueiral uma velha saudade, E a saudade do Mar rumoreja-lhe aos pés... TRISTEZAS [Paulo de Arruda] Há saudades que pungem docemente Como as lembranças de um feliz passado, Quando se vive ainda acalentado Pelos sonhos de gozos do presente. Mas, se da vida no areal candente Para o vigor perdido, e abandonado Volve aos céus da ventura o olhar magoado Como a saudade, então, é atroz, pungente! E, ah! feliz do que em meio aos dissabores Da alma ainda achar nos íntimos refolhos Um mar de prantos que lhe afogue as dores! Pois sofre mais quem desolado e exangue, Não tendo nunca lágrimas nos olhos, Tem dentro da alma lágrimas de sangue. TAÇA [Pedro Kilkerry] Aquela taça de metal que, um dia, À Laura, um dia assim, lhe oferecera, Entre relevos delicados de hera, "Saudade" em letras de rubis trazia. E era um riso de amor e de poesia Em cada riso ou flor da primavera... E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera, Laura que soluçou, porque eu partia? Anos derivam. De remorsos presa Não é que vai, acaso, à soledade Da abandonada... Vai por fantasia. Mas, como um choro, vê, vê com surpresa, Desmancharem-se as letras da "Saudade" Que aquela taça de metal trazia. AÇUCENAS [Pedro Saturnino] Minha Mamãe! tu foste mãe-menina, Pois é filho das tuas mãos pequenas Aquele pé viçoso de açucenas, Que plantaste quando eras pequenina. Carregado de flores (e de penas), Lá no mesmo local ainda germina; Do passado jardim resta ele apenas, Tudo mais, ao redor, é mato ou ruína. Eu, teu filho de amor que tanto estimas E irmão dele nos dons, e até nos males, Ao lembrar-me de ti, floresço em rimas. — Meu irmão com saudades e entre dores, Entre espinhos cruéis levanta o cális E lembra-se de ti chorando flores! ENTRE NUVENS [Quintino Cunha] Ameaça chuva. O pássaro na rama Vem de ocultar-se. A fera permanece À sombra do covil. Tudo parece Triste como a saudade de quem ama. Enquanto o céu apenas se recama De nuvens, não; mas, quando se incandesce De um relampear profundo, a chuva desce, Por fina força a chuva se derrama. Em nós outros também o tempestivo Amor é assim como este quadro vivo, Que, há pouco, a natureza dominava. Falo por mim, tirando por Maria; Pois quando na minha alma relampeava, Nos seus olhos tristíssimos chovia. SAUDADE [Raimundo Correia] Aqui outrora retumbaram hinos; Muito coche real nestas calçadas E nestas praças, hoje abandonadas, Rodou por entre os ouropéis mais finos... Arcos de flores, fachos purpurinos, Trons festivais, bandeiras desfraldadas, Girândolas, clarins, atropeladas Legiões de povo, bimbalhar de sinos... Tudo passou! Mas dessas arcarias Negras, e desses torreões medonhos, Alguém se assenta sobre as lájeas frias; Em torno os olhos úmidos, tristonhos, Espraia, e chora, como Jeremias, Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!... DECADÊNCIA [Raul de Leoni] Afinal, é o costume de viver Que nos faz ir vivendo para a frente; Nenhuma outra intenção, mas simplesmente O hábito melancólico de ser... Vai-se vivendo... é o vício de viver... E se esse vício dá qualquer prazer à gente, Como todo prazer vicioso é triste e doente, Porque o Vício é a doença do Prazer... Vai-se vivendo... vive-se demais, E um dia chega em que tudo que somos É apenas a saudade do que fomos... Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos Que somos sombras, que já não somos mais nada Do que os sobreviventes de nós mesmos!... CREPÚSCULO [Silva Lobato] Crepúsculo. Saudade é a dor da ausência. A essa hora É triste o campo, é triste o rio e é triste a mata. Pelo espaço, a reboar, a voz de um sino chora; Chora o seu pranto oculto a alma de uma cascata. Lento, o orvalho do céu, posto em pingos de prata, Borda os verdes festões da sorridente flora... Calam-se as aves. No ar, ao pôr do sol, desata A alta estridulação a cigarra sonora. Ó noivos, que povoais a vossa alma de sonhos, Que nostalgia! Que tristeza, olhos tristonhos, Não vos trouxe essa luz crepuscular de agosto?!... E a saudade a pungir vosso peito dorido, É a lembrança dos que se vão para o sol posto, É a incontida explosão desse amor incontido! SONETO DA VOLTA [Vespasiano Ramos] Desde este instante, sem cessar, maldigo, Aquele instante de felicidade! Para que tu vieste ter comigo, Meu amor! Minha luz! Minha saudade?! Dês que te foste, foram-se contigo Todos os sonhos desta mocidade... A tua vinda — fora-me um castigo; A tua volta — uma fatalidade! Dês que te foste, dentro em mim plantaste A ânsia infinita dos desesperados Porque voltando, nunca mais voltaste... Correm-me os dias de aflições, cobertos: Eu entrei para o amor de olhos fechados E saí para a dor de olhos abertos! SONETO DE CONTRIÇÃO [Vinicius de Moraes] Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Que o meu peito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade Só te amar é divino, e sentir calma... E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida.

 

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